No segmento de cartórios de registro e tabelionatos, a implementação de canais de denúncia eficientes e ouvidoria institucional configura uma obrigação legal e regulatória fundamental para assegurar a transparência e a integridade dos serviços extrajudiciais. Esses instrumentos são essenciais para a identificação e mitigação de riscos relacionados a fraudes notariais, corrupção funcional, assédio moral e sexual e outras irregularidades que comprometem a segurança jurídica e a confiança da população.
Além de atender a dispositivos legais, como os provimentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os códigos de normas estaduais, os canais de denúncia e ouvidoria também são requisitos indispensáveis para cartórios e tabelionatos que buscam certificações em compliance notarial, gestão de riscos e governança corporativa.
Este artigo apresenta uma análise detalhada sobre a relevância dessas ferramentas, abordando a legislação pertinente, as melhores práticas para implantação e os impactos positivos para a gestão eficiente e a imagem pública das serventias extrajudiciais.
O Que São Canais de Denúncia e Ouvidoria em Cartórios e Tabelionatos?
Canal de Denúncia: Definição e Finalidade
O canal de denúncia é um mecanismo formal e confidencial que permite a qualquer pessoa — colaboradores, usuários, parceiros ou cidadãos — comunicar irregularidades e condutas que violem os padrões éticos, legais ou normativos das serventias extrajudiciais. Este canal assegura o sigilo e o anonimato do denunciante, prevenindo retaliações e estimulando a comunicação de fatos relevantes para a integridade dos cartórios de registro e tabelionatos.
Principais Situações Abrangidas pelas Denúncias
As denúncias em cartórios e tabelionatos podem envolver diversas irregularidades e ilícitos, que impactam diretamente na transparência e na confiabilidade dos serviços notariais e registrais. Entre as situações mais comuns, destacam-se:
Corrupção e Fraudes
Envolvem práticas que comprometem a ética e a legalidade, tais como:
- Suborno, propinas ou vantagens indevidas para influenciar atos ou omissões.
- Manipulação ou adulteração de documentos públicos e privados, como escrituras, registros e procurações.
- Falsificação de assinaturas, carimbos ou autenticações que tornem fraudulento um ato notarial ou registral.
- Conluio entre funcionários, terceiros ou usuários para obtenção de benefícios ilegítimos.
- Desvios financeiros e uso inadequado de recursos vinculados ao cartório.
Assédio Moral ou Sexual
Condutas que afetam a dignidade e os direitos no ambiente de trabalho ou atendimento, incluindo:
- Pressão excessiva, humilhação e constrangimento repetido a colaboradores.
- Abordagens sexuais não consensuais que criem ambiente hostil.
- Discriminação por gênero, orientação sexual, raça, religião ou deficiência.
- Retaliação contra quem denuncia o assédio.
Conflito de Interesses
Situações onde interesses pessoais ou externos comprometem a imparcialidade, como:
- Atuação do notário ou registrador em processos com interesse direto ou indireto.
- Favorecimento de familiares ou parceiros comerciais.
- Uso da posição para benefício próprio ou de terceiros.
- Participação em atividades externas que prejudiquem a independência do cargo.
Desvios de Conduta Funcional
Englobam ações contrárias aos deveres legais e éticos, tais como:
- Negligência ou omissão que causem prejuízo ao serviço ou ao cidadão.
- Abuso de poder e tratamento desrespeitoso ao público e à equipe.
- Uso indevido ou divulgação de informações sigilosas.
- Atos ilegais como coação, falsidade ideológica e manipulação documental.
- Falhas no controle interno que permitam irregularidades.
- Uso indevido dos recursos e bens do cartório para fins particulares.
Outras Situações Passíveis de Denúncia
O canal deve acolher também relatos sobre:
- Má prestação de serviços, atrasos e descumprimento de prazos legais.
- Corrupção envolvendo terceiros que interfiram no funcionamento do cartório.
- Descumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
- Práticas discriminatórias no atendimento público.
- Violação dos direitos do consumidor aplicáveis aos serviços extrajudiciais.
- Irregularidades na gestão administrativa e financeira da serventia.
A efetividade do canal de denúncia depende da credibilidade e transparência no processo de apuração, assegurando rigor técnico e respeito às garantias legais.
Ouvidoria: Função e Importância
A ouvidoria atua como um canal mais amplo e institucional, estabelecendo uma interface direta entre o cartório ou tabelionato e a sociedade. É responsável por receber, encaminhar e acompanhar manifestações como reclamações, sugestões, elogios, dúvidas e solicitações relacionadas à prestação dos serviços extrajudiciais.
Papel da Ouvidoria na Transparência e Melhoria Contínua
Além de promover a transparência e a accountability da serventia, a ouvidoria contribui para a melhoria contínua dos serviços por meio do levantamento de demandas, identificação de falhas e avaliação da satisfação dos usuários. Deve operar com independência relativa, garantindo imparcialidade e mantendo canais acessíveis e eficientes para comunicação.
Enquanto o canal de denúncia foca na identificação e combate a irregularidades, a ouvidoria representa um espaço institucional de diálogo, fortalecimento da confiança pública e aprimoramento dos processos em cartórios e tabelionatos.
Fundamentos Legais e Normativos
1. Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
A LGPD se aplica também aos cartórios extrajudiciais, uma vez que tratam dados pessoais de cidadãos. A existência de um canal de ouvidoria contribui para o cumprimento do princípio da transparência e garante o direito de petição do titular dos dados, conforme artigos 6º e 18 da Lei.
Art. 18, §1º, LGPD: O controlador deverá fornecer, por meio facilitado, informações claras sobre o tratamento de dados pessoais.
2. Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção
Embora voltada principalmente a empresas, esta Lei influencia práticas em cartórios, especialmente os que almejam certificação de integridade. Ela estabelece que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, como canais de denúncia, podem atenuar penalidades administrativas.
Art. 7º, VIII: São critérios para aplicação da sanção a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivos à denúncia de irregularidades.
3. Normas do CNJ e Corregedorias Estaduais
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem promovido a normatização contínua da atividade extrajudicial com ênfase em transparência, segurança jurídica e governança institucional nos cartórios de registro e tabelionatos.
- Provimento CNJ nº 74/2018 – Continua vigente e estabelece diretrizes para a segurança da informação em serventias extrajudiciais, incluindo exigências sobre infraestrutura tecnológica, controle de acesso, backup, criptografia e a necessidade de canais de comunicação seguros e auditáveis para proteger os dados e a integridade dos atos notariais e registrais.
- Provimento CN-CNJ nº 149/2023 – Institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), que revoga o Provimento nº 88/2019 e consolida, em âmbito nacional, as obrigações relacionadas à integridade, à prevenção de ilícitos e à estruturação de controles internos.
Em especial, os artigos 246 a 248 do CNN/CN/CNJ-Extra determinam que a serventia adote políticas de integridade e compliance, compatíveis com seu porte e volume de atividades, incluindo:
- Implantação de canais de denúncia sigilosos e seguros;
- Definição de fluxos internos para apuração e resposta a irregularidades;
- Procedimentos para identificação de comportamentos atípicos ou suspeitos;
- Capacitação periódica da equipe sobre ética, governança e prevenção a ilícitos.
Conforme estabelece o art. 246 do Provimento CN-CNJ nº 149/2023, “a serventia deverá implementar mecanismos destinados à detecção de comportamentos e operações suspeitas, inclusive por meio de canais de denúncia e comunicação segura, com garantias de confidencialidade e proteção ao denunciante.”
Essas exigências são complementadas pelas normas das corregedorias estaduais, que podem estabelecer regramentos adicionais em consonância com as diretrizes nacionais, ampliando a responsabilidade dos cartórios na prevenção de riscos institucionais, no combate à lavagem de dinheiro e na valorização da conduta ética.
Certificações que Exigem ou Valorizam Canais de Denúncia e Ouvidoria
NBR ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno
A norma ABNT NBR ISO 37001:2017 (com Emenda 1 publicada em 2024) estabelece requisitos para prevenir, detectar e responder ao suborno nas organizações.
O item 8.9 (“Levantando preocupações”) exige que a organização implemente um canal de denúncia eficaz, com os seguintes elementos:
- Permitir relatos de suspeitas de suborno com base de boa-fé ou crença razoável;
- Garantir confidencialidade e anonimato, exceto quando necessários para investigação;
- Assegurar proteção contra retaliação aos denunciantes;
- Garantir que denúncias sejam amplamente divulgadas, acessíveis, e integradas ao sistema de apuração.
Além disso, a norma exige que esses canais estejam disponíveis a funcionários e agentes externos, e que sejam parte da comunicação estratégica da organização em atendimento às cláusulas 7.4.1 (comunicação interna e externa) e exigências de monitoramento contínuo e melhoria.
PQTA – Prêmio de Qualidade Total da Atividade Notarial e Registral (Anoreg-BR)
O PQTA, promovido anualmente pela Anoreg-BR com apoio das corregedorias, avalia cartórios e tabelionatos com base em critérios como governança, gestão de riscos, transparência e ouvidoria. A existência de canal de denúncias ativo e estruturado, com fluxos formais de apuração, tratamento sigiloso e resposta eficaz, impacta diretamente na pontuação máxima nos eixos de Gestão por Processos e Satisfação do Usuário.
É prática reconhecida dentre serventias premiadas com excelência no setor registral e notarial (segundo relatórios internos da Anoreg-BR).
ISO 9001 – Sistema de Gestão da Qualidade
A norma ABNT NBR ISO 9001:2015 valoriza a comunicação eficaz com partes interessadas (cláusula 7.4), o tratamento sistemático de não conformidades e ações corretivas (cláusula 10.2) e o engajamento das pessoas (cláusulas 5.1 e 7.1.2).
Embora não exija expressamente um canal de denúncias, a adoção de uma ouvidoria estruturada ou sistema de escuta institucional fortemente contribui para:
- Demonstrar o cumprimento das cláusulas acima;
- Evidenciar mecanismos formais de controle e atendimento ao cidadão e usuários;
- Fortalecer a cultura de melhoria contínua e conformidade organizacional.
Benefícios Estratégicos da Implantação de Canais de Denúncia e Ouvidoria em Cartórios e Tabelionatos
Prevenção de Fraudes e Desvios
A existência de um canal de denúncias seguro e funcional desencoraja comportamentos irregulares ao criar uma via formal para relatar atos ilícitos, como corrupção, fraudes documentais, suborno, uso indevido de recursos e abuso de autoridade. Essa medida reduz a exposição da serventia a riscos legais e reputacionais, funcionando como um mecanismo de detecção precoce de irregularidades e de reforço da responsabilidade individual no ambiente institucional.
Fortalecimento da Confiança Pública
A presença de uma ouvidoria ativa demonstra comprometimento com a escuta da sociedade, transparência nos processos e disposição para a prestação de contas (accountability). Essa postura aumenta a legitimidade social do cartório ou tabelionato, reforça sua credibilidade institucional e amplia a percepção de neutralidade, especialmente em situações de conflito ou reclamação.
Melhoria Contínua da Qualidade dos Serviços
As manifestações recebidas — sejam reclamações, sugestões, dúvidas ou elogios — são insumos valiosos para o aprimoramento da prestação de serviços. Elas possibilitam o mapeamento de gargalos operacionais, retrabalho recorrente, falhas de comunicação e desconformidades procedimentais. Com base nessas informações, o cartório pode implementar ações corretivas e preventivas, alinhadas à gestão por processos e à excelência do atendimento.
Conformidade Regulatória e Normativa
A existência de canais de escuta e denúncia é exigida, conforme já detalhado acima, por normas como o Código Nacional de Normas – CNN/CN/CNJ-Extra (Provimento CN-CNJ nº 149/2023), por certificações como a ISO 37001, e valorizada em programas como o PQTA. A correta implantação desses instrumentos contribui para o cumprimento das exigências legais e correcionais, reduz o risco de sanções administrativas e reforça a imagem institucional da serventia perante corregedorias, órgãos fiscalizadores e o público.
Promoção de uma Cultura Organizacional Ética
Ao estruturar fluxos internos para denúncias e manifestações, a serventia reforça valores como transparência, integridade, respeito e legalidade. Essa cultura contribui para o engajamento dos colaboradores, promove o senso de pertencimento e favorece um ambiente organizacional mais seguro, justo e produtivo. A ética deixa de ser apenas um discurso e passa a ser praticada por meio de ferramentas concretas de governança.
Boas Práticas para a Implantação de Canais de Denúncia e Ouvidoria
Canal Independente e Sigiloso
Deve-se garantir que o canal funcione com autonomia e proteção de dados. Pode ser operado internamente ou terceirizado, desde que assegure anonimato do denunciante, sigilo das informações e proteção contra retaliações. Ferramentas digitais com criptografia e gestão de acesso restrito são recomendadas para aumentar a confiança no sistema.
Treinamento da Equipe
Todos os colaboradores devem receber capacitação periódica sobre:
- O que pode ser reportado nos canais;
- Como receber manifestações com postura neutra e acolhedora;
- Como encaminhar corretamente os relatos para análise;
- Como agir diante de casos de denúncia, sem exposição ou julgamento prévio.
Divulgação Ampla e Acessível
É essencial que o canal seja visível e de fácil acesso para todas as partes interessadas — usuários, colaboradores, prestadores de serviço e parceiros. Isso inclui:
- Informações no site institucional;
- Avisos em murais, recepção e áreas de atendimento;
- Inclusão em contratos e materiais informativos;
- QR Codes, links ou e-mails dedicados.
Relatórios, Indicadores e Monitoramento
A gestão do canal deve prever a geração de relatórios gerenciais periódicos contendo:
- Quantitativo de manifestações por tipo;
- Prazo médio de resposta;
- Situação de apuração;
- Medidas corretivas aplicadas.
Esses dados alimentam o sistema de melhoria contínua e compliance, e servem como evidência para auditorias internas e externas.
Política Interna Clara e Normatizada
A serventia deve adotar uma política formal de gestão de denúncias e ouvidoria, contendo:
- Finalidade e escopo;
- Tipos de manifestações aceitas;
- Fluxo de recebimento, apuração e resposta;
- Garantias ao manifestante (anonimato, não retaliação);
- Prazos máximos para resposta;
- Responsáveis pelo tratamento das informações.
Essa política deve ser aprovada pela titularidade e amplamente divulgada à equipe e aos usuários.
Conclusão: Governança e Transparência Como Diferenciais Competitivos
A presença de canais de denúncia e ouvidoria em cartórios de registro e tabelionatos deve ser compreendida como parte integrante da gestão estratégica dos serviços extrajudiciais, sobretudo diante do fortalecimento dos marcos regulatórios e das exigências normativas aplicáveis às serventias extrajudiciais.
Esses mecanismos não apenas viabilizam a apuração de condutas irregulares e o monitoramento de riscos institucionais, como também consolidam práticas de transparência, controle interno e escuta qualificada da sociedade.
A adoção sistematizada de canais de denúncia em cartórios contribui diretamente para a conformidade regulatória, o aprimoramento da qualidade dos serviços notariais e registrais e o fortalecimento da legitimidade institucional das serventias perante o público e os órgãos de fiscalização. Trata-se de uma ferramenta essencial à governança, à integridade e à melhoria contínua no âmbito da atividade notarial e registral.
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